Mais do que um período religioso, a Quaresma tem se tornado, para muitas pessoas, um convite ao autoconhecimento e à reconexão com valores essenciais. Tradicionalmente associada ao Cristianismo, especialmente ao Catolicismo, a Quaresma representa os 40 dias que antecedem a Páscoa — uma jornada simbólica de introspecção, jejum e penitência, inspirada nos 40 dias em que Jesus ou no deserto. 7251q
Mas o que esse tempo significa nos dias de hoje, especialmente em uma sociedade plural, onde diferentes crenças — e também a espiritualidade — coexistem?
Para o Cristianismo, a Quaresma é um chamado à conversão e à preparação espiritual para a ressurreição. Para algumas tradições protestantes, é um tempo de oração e reavivamento da fé. Já para outras culturas e religiões, períodos semelhantes de recolhimento, silêncio e abstinência também existem. O que todas essas práticas têm em comum é a ideia de sacrifício consciente em nome de algo maior: uma purificação, um reencontro com o sagrado, ou uma transformação pessoal.
Nas últimas décadas, no entanto, temos visto uma ressignificação desse tempo. Muitas pessoas, mesmo fora dos contextos religiosos, aproveitam a Quaresma para estabelecer propósitos pessoais. Deixar de comer chocolate, de beber álcool, carne vermelha, refrigerantes, reduzir o consumo de redes sociais, praticar mais empatia ou dedicar-se a uma prática espiritual de autocuidado. São renúncias que, embora simples, carregam um significado profundo: o de abrir mão de algo prazeroso ou automático em troca de mais presença, mais intenção, mais consciência.
Esse gesto simbólico de deixar algo ir pode funcionar como uma poderosa metáfora para a vida. Afinal, quantas vezes precisamos abrir mão de um hábito, de uma relação, ou de uma zona de conforto para dar lugar a algo novo, mais verdadeiro, mais alinhado com a nossa essência?
A Quaresma, então, não precisa ser apenas um ritual fixado no tempo litúrgico. Ela pode se tornar um portal para algo maior: um exercício anual de humildade, revisão de vida e fortalecimento do espírito. Um convite à leveza, à renovação e à fé — seja ela religiosa ou simplesmente humana.
Um olhar sistêmico sobre os propósitos da Quaresma
Do ponto de vista da abordagem sistêmica, especialmente à luz das Constelações Familiares de Bert Hellinger, a Quaresma pode ser vista como uma oportunidade de honrar os movimentos da alma — aqueles que nos levam a olhar para o que precisa ser visto, curado ou reintegrado dentro do nosso sistema familiar e de nossas histórias de vida.
Quando alguém decide abrir mão de um prazer, como o chocolate, ou de um hábito automático, o que está sendo movido não é apenas um desejo de mudança individual. Inconscientemente, essa renúncia pode estar conectada a uma busca por reconexão com algo mais essencial: com o pertencimento, com a ordem, com a reconciliação com os próprios pais, ou até com uma culpa que pede resolução.
Na Constelação Familiar, aprendemos que certas atitudes de “sacrifício” ou abstinência também podem representar um ato de lealdade invisível: "eu deixo de sentir prazer, como você também deixou", "eu não me permito ser leve, como você não pôde ser". Por isso, a Quaresma pode ser uma chance de olhar mais profundamente: o que realmente estou tentando reparar com esse propósito? A quem eu sou leal quando me privo?
Mas, por outro lado, quando feita com consciência e amor, a renúncia pode se tornar um ato de reconexão com a força da vida. É quando dizemos internamente: eu deixo o que me pesa, para abrir espaço para algo maior em mim. E esse "algo maior" pode ser a leveza, a paz, o amor que antes estavam soterrados por padrões herdados, dores não elaboradas ou expectativas externas.
A Quaresma, nesse sentido, é um tempo simbólico para devolver o que não nos pertence, agradecer aos que vieram antes por terem feito o possível, e então assumir o próprio destino — com mais presença, mais verdade e mais liberdade.
Excelente Páscoa a você, e te vejo em terapia!
Terapeuta integrativa. Constelação Familiar e Reiki. Psicoterapeuta. Graduada em Psicologia desde 2008. Insta: @gabybernardi.
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