'Código Azul' - capítulo 3 1s1o6n


Por Kiane Berté 6q1x24

08/11/2019 09h08 375j2



 >> Este livro não é recomendado para menores de 13 anos << 473v3t

>> Todos os direitos desta obra estão reservados. Plágio é crime <<

Ótima leitura :)

— Meu filho, como foi seu dia? Está com fome? Porque a Raquel não veio? — ouvi minha mãe fazer as perguntas, sem ter nenhuma vontade de respondê-las.

— Você tem certeza que colocaram o pneu certo no seu carro, Joe? — papai não sabia se me fazia perguntas, se comia o assado de frango preparado pela irmã da nossa governanta, ou se olhava nos meus olhos enquanto falava.

— Papai, sim. Eles colocaram o certo. Fui eu mesmo quem escolheu o pneu. — A comida desceu rasgando na garganta. Não estava a fim de falar sobre aquilo e nem sobre o meu dia.

— Filho, porque está falando desse jeito conosco? — Caio largou o celular que estava segurando em uma das mãos enquanto jantava, e voltou seus olhos para mim.

— Eu tive um dia bem cansativo hoje, papai, me desculpe — suspirei e retornei a garfar a comida que estava quase fria.

— Quem trocou o pneu do seu carro foi o borracheiro e não você, Joe, como pode estar cansado? — papai começou a rir, achando que a piada dele foi hilária. Se ele soubesse...

— Bem, quem trocou o pneu do meu carro foi uma mulher.

          Minha mãe se engasgou com a comida e precisou beber um pouco de água para poder parar de tossir.

— Como é que é? — perguntou meu pai, abismado.

— Joe, você fez a Raquel trocar o pneu? — minha mãe arregalou os olhos vermelhos e abandonou o jantar.

— Claro que não! Raquel jamais trocaria um pneu. Ela nem teria força para isso.

          Meus pais começaram a rir e se esqueceram de que eu ainda estava na mesa. Enquanto meu pai explicava para a minha mãe como se trocava um pneu, — apesar de eu saber que ele nunca havia trocado um na vida — eu terminei meu jantar depressa e retirei o meu prato da mesa. A empregada o tomou da minha mão e eu o tomei de volta. Quase brigamos para ver quem iria levar o prato sujo até a cozinha.

          Depois de jantar e de escolher um vinho bom para beber, nos sentamos à sala para conversar sobre os preparativos da festa de aniversário que meus pais me dariam em duas semanas. Não era nada grandioso, mas seria servido um jantar com os pais de Raquel, com alguns amigos meus da faculdade, e outros parentes. Após o banquete, iríamos ter música e uma pequena festa para que minha mãe pudesse exibir seus vestidos novos e caros para um bando de gente que nem se quer ligava.

          Eu estava detestando a ideia, mas ver minha mãe feliz com aquilo já era um presente e tanto. Dora estava ando por problemas psicológicos e a sua terapeuta havia nos pedido para que tirássemos mamãe da rotina. Essa festa seria perfeita para isso, além de que ela veria sua mãe e irmãos no mesmo dia.

— Então, já comprou a aliança para Raquel? — Dora bebericou um pouco do vinho e depois limpou a boca com um guardanapo.

— Essa história de novo não, mamãe — estiquei minhas pernas sobre a mesinha de centro da sala onde estávamos e deixei a taça sobre ela.

— Mas meu filho, que oportunidade melhor você vai encontrar? É sua festa de aniversário e as pessoas importantes já vão estar com a gente. Vai ser perfeito!

          Queria simplesmente ignorar as palavras que ouvi da boca de minha mãe, mas apenas sorri de volta e ela suspirou. Alguma coisa naquela história me causava incomodo, mas eu, até então, não sabia por quê.

— Não é que eu queira te decepcionar, mas é que ainda é cedo e eu tenho planos para Raquel e eu, antes de nos casarmos. — Me levantei ainda sorrindo e segui até a minha mãe que me olhava com desânimo. Beijei sua testa e me despedi antes de ir para casa.

Mamãe se levantou rapidamente e me abraçou forte, quase me sufocando. Eu devolvi o abraço e beijei o seu rosto com ternura. Fiz o mesmo com o meu pai e depois fui embora.

Eu menti para o meu pai que meu dia havia sido cansativo. Meu dia foi incrível e produtivo demais, na verdade. Além de conhecer pacientes novos — pessoas incríveis e educadas — pude conhecer uma mulher que prestava serviços de homem. Apesar de eu ter sido um idiota com ela, senti tanto orgulho mesmo sem conhecê-la direito. Os pais dela certamente batiam palmas para a pessoa exemplar que ela era.

Depois de algumas horas — quando estava na minha cama, prestes a dormir e descansar — fiquei pensando em como minhas palavras foram machistas e agressivas demais com aquela garota. O problema era, que eu nunca havia tido contato com nenhuma mulher assim antes. E a mulher, toda trabalhada na arrogância e masculinidade, me fez perceber que eu ainda não conhecia as mulheres direito.

          Raquel jamais faria o que Herrera fazia. Tinha certeza de que ela jamais pensaria em descer do carro e colocar um macaco embaixo da lataria para poder erguê-lo. E pior ainda, deixar que suas mãos e unhas ficassem cobertas por graxa ou barro.

Nunca vi as unhas de Raquel sem esmalte. Acho que nem se quer conhecia suas mãos direito. Os dedos estavam sempre cobertos por jóias caras e largas, assim como seu pescoço, pulso, orelhas e tornozelo. Raquel usava jóias em todos esses lugares e, desde que me conhecia por namorado dela, nunca a vi sem nenhuma daquelas jóias se quer.

Comecei a rir sozinho na cama ao pensar naquelas situações e, quando percebi, ignorei três chamadas da minha futura noiva. Digitei o número dela no celular e ela atendeu no primeiro toque.

— Aconteceu alguma coisa? — perguntou depressa, sem nem ao menos escutar o meu “alô”.

— Desculpe, eu estava no banheiro. Cheguei agora da casa dos meus pais — dei uma tossida rápida, certamente fingida.

— Que bom, amor, e como foi?

— Como foi o quê? — perguntei alguns segundos depois, ao me desligar completamente da conversa.

— Joe Riviere, estou te perguntando como foi o jantar com os seus pais... — Raquel repetiu a frase com toda a calma do mundo e depois suspirou forte, fazendo com que eu ouvisse do outro lado da linha.

— Ah, sim, claro — gaguejei, — foi tranquilo. Conversamos sobre o meu trabalho e organizamos toda a lista de convidados para a minha festa.

— Isso é ótimo — consegui ouvir as palmas de Raquel do outro lado da linha. — E o seu carro, já está consertado?

— Raquel, o pneu furou. Foi só isso! — Minha última frase saiu mais forte do que deveria.

— Eu não estou falando só do pneu, estou falando daquele barulho estranho que seu carro estava fazendo outro dia.

— Bem... — soprei as palavras da boca, de vagar — só troquei o pneu porque ele furou, mas não mexi em mais nada. Não me lembrei desse detalhe.

— Querido, Miguel vai chegar manhã e eu preciso que você o busque no aeroporto.

— Amanhã, Raquel? Ele não chegaria daqui há dois dias apenas? — me joguei novamente na cama e cobri os olhos com a palma da mão.

— Ele me ligou pouco antes de eu te ligar. Me avisou que vai se adiantar esse ano e, adivinha só? — Raquel festejou. — Acho que ele vem para ficar.

          Apesar de eu não ter tido mais tanto contato com Miguel, desde que ele se mudou pra valer para Londres, sempre gostei dele e da energia que ele transmitia quando estava por perto. Miguel sempre foi animado desde que o conheci e isso fez com que nos déssemos bem e virássemos muitos amigos. Ele era muito diferente de Raquel, não só na maneira de falar, mas também como agir com as pessoas. Miguel não se importava em comer no chão e usar as mãos. Raquel já preferia sentar-se à mesa e usar garfo e faca para cortar uma pizza, por exemplo.

          Ambos não poderiam ser irmãos.

Não na vida ada, pelo menos.

— Hey, não vai dizer nada? — Raquel chamou a minha atenção ao perceber que eu não respondia.

— É uma ótima notícia, Raquel. Seus pais vão ficar felizes demais.

— Já estão — ela confirmou. Seu riso era quase visível no meu celular. — Então, você pode buscar ele amanhã no final da tarde?

— Claro que sim. Depois do trabalho eu arei no aeroporto. Agora vou descansar, porque amanhã o seu irmão vai acabar com as minhas energias. — Meu riso contagiou Raquel.

— Tenho certeza! Bons sonhos, meu príncipe.

          Assim que o telefone foi desligado, as palavras da garota da oficina martelaram na minha cabeça, na mesma sintonia que as de Raquel. Herrera me chamou de príncipe mais cedo, mas foi de uma maneira provocativa; como se ela quisesse dizer que sou rico e mauricinho demais para estar naquele lugar.

          Já, as palavras de Raquel, soaram de uma maneira meiga e cheia de amor. Ela nunca me chamou assim antes. Porque então agora ela estaria falando assim? Será que ela já sabia que a garota me chamou de príncipe? Chacoalhei a cabeça espantando o pensamento perturbado e joguei o celular sobre a cama. Segui até o banheiro e tomei um banho para poder descarregar a tensão do dia.

***

— Bom dia, doutor Riviere, gostaria de um café? — uma das internas perguntou ao entrar na minha sala vazia.

— Bom dia, Alice. Quero sim, por favor.

          Depois de dez minutos, Alice trouxe o café quentinho e algumas bolachas integrais que havia comprado pouco antes. Alguns minutos mais tarde, uma enfermeira bateu à minha porta, chamando a minha atenção.

— Doutor, é melhor o senhor vir até aqui — quando alguma delas falava daquele jeito comigo, eu já sabia que se tratava de um paciente grave.

          Sem nem ao menos perguntar o que havia acontecido, andei à os rápidos para a sala de emergência e me deparei com uma jovem gritando e chorando muito. Ela usava uma saia preta e suas pernas estavam todas arranhadas, além de uma delas apresentar um ferimento muito grande que estava sendo estancado por Alice.

— O que ouve com ela? — escorreguei numa pequena poça de sangue que se formou no chão ao lado da maca.

— O nome dela é Emily Maier e ela foi mordida por um cachorro — Alice retirou o pano molhado de sangue e trocou por outro.

          Apanhei o estetoscópio e depois avaliei seus batimentos. Ela estava bastante assustada e não parava de gritar.

— Fique calma, Emily — tentei acalmá-la, falando de vagar, enquanto analisava os ferimentos em sua perna. — Vamos anestesiar os machucados para poder limpá-los e costurá-los, está bem?

          A moça ainda estava com os olhos arregalados, mas fez que sim com a cabeça e parou de gritar por um segundo.

— Onde você encontrou esse cachorro? — perguntei enquanto aplicava a anestesia e Alice lavava o ferimento pela terceira vez.

— Ele estava preso em uma casa e me mordeu quando eu pulei o muro — ela revelou em meio aos soluços.

— Porque você pulou o muro de uma casa? — Alice me interrompeu. Era mais curiosa que a minha vizinha do andar debaixo.

A menina revirou os olhos marejados e depois respondeu:

— É a casa do meu namorado. Quero dizer... do menino que eu gosto.

— Então esse cachorro não é de rua, Emily? — perguntei novamente. Ela revirou os olhos mais uma vez.

— Porque quer tanto saber sobre esse cachorro pulguento?

— Minha jovem... — Alice começou e eu apontei o dedo para ela, pedindo silêncio.

— Emily, esse cachorro pode não ser vacinado. Pode ter doenças e essas doenças vão ser adas para você se não tratarmos e limparmos isso direito. — respondi. A jovem ficou ainda mais espantada.

— Eu não quero morrer — a garota choramingou, apertando forte o meu braço.

— Você não vai morrer! — respondi.

— Não vai mesmo, mas pode perder essa perna aí se não nos contar o que aconteceu.  — Alice disse, assustando ainda mais a menina.

A ideia de Alice não era querer limpar de verdade o ferimento ou estar preocupada com a garota, mas sim, saber dos motivos pelo qual a menina havia pulado o muro de uma residência.

— Tá bem — a menina finalmente resolveu se abrir. — Meus pais não permitem que eu saia com ele, por causa das roupas que ele usa e tudo mais. Então eu fujo de casa para poder vê-lo.

— Espertinha! — Alice apontou o dedo para ela e olhou de canto, com malícia.

— Olha, eu já disse. Esse cachorro é dos pais do meu namorado, mas ele é bem cuidado e toma banho toda a semana.

— Eu entendi, mas vamos ter que chamar os seus pais e os pais do seu namorado aqui — cruzei os braços e esperei pelo início do choro sem fim da garota.

— O quê? — ela ficou pasma, mas não chorou. Não dessa vez.  — Vocês não podem fazer isso. Meus pais vão me matar!

— Se não fizermos exames em você e não confirmarmos que o cão é bem cuidado como você disse, você pode morrer de outra forma.

          Quando Alice disse aquelas palavras, eu a mandei para fora da sala de emergência imediatamente. Nunca havia falado assim com ela antes, mas eu acabei me irritando com tamanha falta de ética. Depois disso, pedi para que uma das enfermeiras ali presentes aplicasse a vacina contra raiva na garota.

— Ela disse essas besteiras para te assustar, mas é a verdade, Emily. Vamos ter que ficar de olho em você até que termine o tratamento desse ferimento para evitar que ele infeccione. Se estiver no hospital, vai ficar mais fácil de acompanhar sua melhora.

— Que assim seja, então — a garota deitou na maca e cobriu os olhos com as mãos.

          Eu retirei a gaze que Alice colocou sobre o machucado e comecei a tatear o local. Com a ajuda da minha pequena lanterna branca, vasculhei por entre os pedaços de pele completamente rasgados, alguma sujeira que tenha ficado para trás na desinfecção.

          A mordida foi tão profunda que quase conseguia ver o osso de sua panturrilha, mesmo estando afastado da jovem. O cachorro devia ter mastigado muito por ali para ter ficado daquele jeito. Eu chegava a duvidar que um animal desses pudesse ter feito aquilo sozinho.

          Emily acabou desmaiando a me ver retirar um dente do cachorro de sua perna, enquanto eu estava mexendo entre suas camadas de pele com uma pinça. Depois de lavar o ferimento mais uma vez, suturei o grande corte com a menor agulha para tentar evitar uma cicatriz maior.

— Se ela sentir muita dor quanto acordar, pode dar Ibuprofeno — assinei a prescrição e depois entreguei às internas. — Vamos ficar de olho nessa mordida. Chamem os pais da garota e depois a família do cachorro. Precisamos esperar os exames dela e nos garantir que nenhuma doença foi ada.

A manhã ou voando. Foram muitos pacientes depois de Emily, mas felizmente nenhum deles tão grave quanto ela. Os pais da menina foram chamados e fizeram um escândalo quando a viram naquele estado. A parte boa era que não chegaram a ver o ferimento, porque a perna estava enfaixada, mas os arranhões na outra perna os deixaram apavorados.

Já a família do cão, quero dizer, os donos do cachorro, ficaram muito preocupados com a jovem. O filho deles, todo tatuado e com piercings, também estava com eles e quase foi expulso do hospital pelos pais de Emily. Por sorte, ninguém se agrediu, e o cachorro possuía até uma caderneta de vacinação e elas estavam todas em dia, o que facilitava e tirava a nossa preocupação.

Depois dos atendimentos Nós dois nos conhecemos quando eu entrei para trabalhar no hospital. Estevan era cirurgião também e trabalhávamos juntos há um ano. Ele me ajudou muito até aqui e sempre me dava uma mãozinha quando eu precisava.

Raquel me ligou para avisar que Miguel chegaria num vôo antecipado e me pediu para ar buscá-lo para que ele não ficasse sozinho pelo aeroporto.

          Eu deixei a garagem do hospital, logo depois do almoço, e novamente pude ouvir o barulho estranho que meu carro estava fazendo.

          Mesmo com ele, segui até o aeroporto para buscar meu cunhado, que já estava pisando em terra firme e não parava de me ligar. O trânsito do início da tarde estava calmo e eu consegui chegar em menos de uma hora no meu destino, o que me deixou mais tranquilo com relação ao barulho que o carro estava fazendo.

          Deixei o Audi estacionado em frente ao portão da saída principal e caminhei em direção ao saguão para buscar Miguel. Mal entrei na sala de desembarque e já o vi de longe em pé, escorado em um dos pilares, falando ao telefone.

— Minha querida, o marido da minha prima está aqui para me levar para casa — Consegui ouvi-lo, assim que me aproximei. — Mais tarde eu te ligo, um beijo.

— Marido da sua prima!? — franzi o cenho e ele sorriu, vindo em minha direção para me abraçar.

— É, mano, se eu falasse que era meu cunhado ela iria começar a me fazer perguntas. Ela não sabe que tenho irmã. — Miguel balançou a cabeça e suspirou parecendo aliviado.

— Então você não contou para a sua namorada que tem irmã... — cruzei os braços e esperei por respostas.

— Qual é, Joe, ela não é minha namorada. É só minha mina de Londres.

— Sua mina de Londres... — Não conseguia parar de repetir suas palavras.

— É... — ele disse. Parecia relaxado demais. — Agora que vou morar aqui não quero ficar ligado a ela, por isso não contei nada sobre a minha vida pessoal. — Miguel estalou os dedos e me mostrou a agenda do seu celular. — Olha, Brenda bloqueada. Cidade nova, gatas novas!

          Dei uma leve levantada na minha sobrancelha e balancei a cabeça de vagar. Caminhamos em direção ao carro no estacionamento e entramos na rodovia. Durante trinta minutos, ouvi Miguel falar das mulheres que conheceu na última cidade em que esteve e em como se apaixonou por uma mulher casada em uma das suas viagens malucas.

          Miguel sempre foi mulherengo e nunca escondeu de ninguém. As próprias mulheres sabiam disso e não se importavam, assim como Raquel que vivia me falando o quanto seu irmão estava lindo demais. Sei lá, não conseguia ver nada de bom nele. Ele era gente boa e tudo mais, mas era um pé no saco quando se tratava de mulheres. Como elas podiam se envolver com ele, serem rejeitadas e depois continuar procurando por ele? Essas mulheres eram doidas.

Fora tudo isso, Miguel Ahnert era parceiro demais.

          Depois de quase uma hora de estrada, o carro voltou a fazer um barulho estranho. Desta vez, ele era mais alto e parecia estar possuindo meu Audi como um espírito faria. Tá bom, essa frase não saiu da minha boca. Miguel acabou dizendo isso enquanto desligava o rádio para ouvir o barulho que vinha do capô.

— Você precisa levar esse carro para uma oficina — ele disse em seguida, se segurando nas laterais do banco. — Não estou a fim de morrer nessa estrada, Joe. Eu tenho muitas gatas para conhecer antes de partir...

— Pare de falar besteiras, Miguel. Não vamos morrer. Não aqui, pelo menos. — Dei um sorriso rápido e voltei a ligar o rádio. — O que está fazendo? — perguntei rapidamente quando o ouvi chamar por Raquel no telefone.

— Irmã, vamos nos atrasar porque o seu marido... — revirei os olhos para ele e ele entendeu — ...seu futuro marido — ele corrigiu me olhando e eu confirmei com o polegar — vai ter que levar o carro para a oficina.

          Percebi as feições engraçadas no rosto de Miguel e sabia que ele estava imitando as frases e o jeito de falar de Raquel, em pensamento.

— Sim, irmã, é um barulho esquisito no capô. Mas fique tranquila que logo, logo, chegamos. Um beijo!

— Você fala “um beijo” para todas as mulheres com quem conversa? — zombei de Miguel, mas ele riu.

— Mas é claro, cunhado, como acha que elas me amam? Não é só a beleza que conta, você precisa ser gentil também. — Ele me lançou uma piscadela e eu caí na gargalhada. Ele era hilário.

          Não estava pensando em levar o carro para uma oficina, porque a única que eu conhecia ali por perto era aquela onde Herrera trabalhava e eu não estava a fim de encontrá-la. O problema era que meu carro não estava sabendo disso.

— Esse barulho tá aumentando — Miguel voltou a se segurar no banco com as duas mãos, firme. Eu ri da situação. — Se você não levar para uma oficina, eu vou descer aqui e vou a pé para casa. A Raquel vai ficar uma fera com você. Eu sei que vai.

— Pare de ser medroso — dei de ombros, mas fiz o que ele disse. Segui com o carro até a oficina cheia de caveiras pintadas na parede e ele apagou quando eu estava prestes a colocá-lo dentro do estacionamento.

— Eu te falei!— Miguel me repreendeu. Ele estava suando. — E se ele fizesse isso enquanto estávamos na estrada? Íamos morrer!

 Quando foi que ele ficou assim tão medroso?

— Joe, né? — observei Bob se aproximar do carro.

— E aí, Bob — respondi depois de descer do carro. Miguel ficou olhando para o ambiente, assustado.

— Vocês se conhecem? — ele perguntou. Miguel olhou atentamente para as tatuagens nos braços de Bob.

— Seu amigo aqui furou o pneu e nós trocamos pra ele — Bob respondeu sem nenhum sorriso no rosto.

— Você tá de sacanagem comigo, Joe? — Miguel me encarou pensativo. — Você trouxe o seu carro aqui para que eles trocassem o pneu? — tentei cobrir minha testa com uma das mãos para evitar vê-lo rindo de mim.

— Ele não trocou nada, fui eu que troquei o pneu do seu amigo.

          Quando nos viramos, damos de cara com Herrera, que se aproximou limpando as mãos sujas de graxa num pano preto. Ela estava usando o mesmo coturno e outra calça preta, mas essa estava rasgada acima do joelho. Sua barriga estava coberta por uma regata branca toda suja e seu semblante estava calmo.

— Minha nossa! — Miguel a analisou dos pés a cabeça, a deixando incomodada.

— O que você faz aqui? — ela perguntou incrédula.

— É bom te ver também — respondi sem olhá-la nos olhos.

— Espera aí, vocês dois também já se conhecem? Isso é maneiro! Muito prazer, gatinha, sou Miguel Ahnert, mas você pode me chamar de Miguel ou, sei lá, quem sabe de... meu amor.

No momento em que Miguel pegou na mão dela para beijá-la, Herrera afastou-se com força, fazendo cara feia.

— Eu te fiz uma pergunta — Herrera me encarou, sem prestar muita atenção em Miguel.

— Não está vendo? — apontei com as duas mãos para o carro parado no meio do caminho. Ela revirou os olhos e então percebi que fui grosso demais. — Desculpe, é que meu carro parou de funcionar. Então, como eu estava próximo daqui, pensei em trazer.

— Pensou que eu poderia arrumar o seu carro — ela me interrompeu e Miguel caiu na gargalhada. — Do que está rindo, Playboy Número Dois?

Comecei a rir das palavras de Herrera e então respondi:

— Não seja idiota, Miguel, ela trabalha aqui.

Percebi uma leve levantada na sobrancelha de Miguel e ele logo parou de sorrir.

— Não brinca!

          Herrera revirou os olhos mais uma vez e depois seguiu até o capô do carro, que Bob acabou de abrir.

— Esse carro não está nada bem. Vamos ter que trocar isso... — Bob começou a apontar com o dedo para Herrera, que confirmou com a cabeça. — Isso também e aquele outro ali. Ah, — ele disse novamente ao analisar mais um pouco — isso aqui vamos ter que dar uma olhada mais de perto.

— Dá para vocês falarem a nossa língua? — disse em seguida. Os dois giraram a cabeça para mim no mesmo instante — Parece que vocês estão falando com um paciente de hospital.

— Aqui é um hospital de carros e o seu carro é o nosso paciente.

          Quando Bob terminou a frase, Miguel caiu na gargalhada e disse:

— Vocês são malucos!

Herrera, pela primeira vez, riu e isso me fez rir também. Assim que ela me viu rindo com ela, fechou a cara novamente e voltou a observar o carro.

— Quanto tempo vai demorar? — perguntei ao olhar para o relógio de pulso.

— Meu amigo, seu carro não vai sair daqui hoje — Bob respondeu.

— Vocês não estão falando sério!

— Estamos! — Herrera me encarou e depois se escorou no carro. — Se quiser um serviço bem feito, vai ter que esperar até amanhã. A não ser que queira empurrar a sua carruagem até outra oficina.

— Como é que vamos embora? — apanhei o celular para ver a hora. Já avam das três da tarde.

— Relaxa, cara. Eu peço para Raquel vir buscar a gente. — Eu mal consegui responder Miguel e ele já estava falando com Raquel pelo telefone. — Pronto, em 20 minutos ela chega. — Disse por fim, assim que eu terminei de ar o endereço do lugar.

          Bob continuou mexendo no Audi, enquanto Herrera nos conduziu para dentro da loja da oficina para pagar pelo concerto do carro que nem se quer havia começado.

— Não dá para acreditar que alguém como você trabalha aqui — Miguel comentou boquiaberto, enquanto esperávamos para ser atendidos no balcão. Ele não tirava os olhos de Herrera.

— Ótimo, mais um babaca. — Ela revirou os olhos e se afastou.

— Eu só estava brincando, gata, mas você com certeza é mais forte do que o Joe. Isso é certeza! — Quando ele percebeu que Herrera nem se quer prestava atenção em suas palavras, ele se aproximou mais dela e pediu desculpas, parecendo um cachorro abandonado.

— Viu só, Playboy Número Um, — ela apontou para mim — é assim que se fala com uma mulher.

— Você está falando sério quando defende ele.

— Por quê? Você pensa tão mal assim do seu amigo?

— Não somos amigos, somos cunhados. — Miguel revelou.

— Cunhados... — Herrera franziu a testa. Se não fosse pela cara de desinteressada que ela fez, diria que ficou a fim de Miguel.

— É, mas eu não sou cunhado dele, ele é meu cunhado. Não sei se você me entende. — Miguel pousou a mão grande sobre o ombro direito de Herrera e ela me encarou.

— O que muda nisso? – ela disse.

— Que ele é noivo da minha irmã — Miguel respondeu confiante.

Namorado da sua irmã — corrigi.

— Tanto faz, vocês vão se casar logo que eu sei. — Miguel deu de ombros e me ignorou completamente enquanto eu pagava pelo concerto ainda não executado do meu carro.

          Fiquei quase meia hora no balcão, tentando negociar o preço do concerto com o homem de cara amarrada que estava me atendendo. Foi difícil conversar com ele, mas evitei o máximo possível ter algum contato com Herrera naquele momento.

          Por falar nela, meu cunhado conseguiu domar a garota suja de graxa na minha ausência. Observei e ouvi os dois ao fundo, rindo alto de algo que não entendi muito bem e parecendo dois amigos muito íntimos.

— Miguel, vamos embora. Raquel já está esperando por nós. — Interrompi o casal estranho e Herrera parou de rir.

— Você é muito sem graça, Playboy Número Um.

— Meu nome é Joe Riviere! — finalmente me apresentei, mas irritado por vê-la desinteressada e fazendo pouco caso.

— Aurea, minha Gata das Trevas... — Miguel começou a dizer e eu tive vontade de vomitar. Ela com certeza iria bater nele por dizer aquelas coisas. — Eu te ligo assim que chegar em casa.

— Vocês tão de sacanagem comigo?! — fiquei abismado quando vi os dois seguirem de mãos dadas até o carro de Raquel. Estava tão concentrado naquela cena, que nem percebi que minha namorada havia me ligado três vezes. — Só falta dizer que trocaram telefone...

          Mal terminei a frase e Miguel levantou um papelzinho nas mãos com o rabisco de um número, certamente assinado por Herrera.

— Miguel, como você está? — Raquel desceu do carro e correu em direção ao irmão, que ainda estava de braços dados com a Garota da Graxa.

Vou chamá-la assim daqui pra frente, já que ela gostou de me chamar de Playboy Número Um.

          Raquel olhou para a Garota da Graxa e depois encarou o seu querido irmão assanhado.

— Quem é ela, Miguel? Não me diga que já arranjou uma qualquer para levar lá pra casa para encher o saco do papai?

— Uma o quê? — Herrera deu um o à frente.

— Raquel, não diga besteiras, essa é a Aurea. — Miguel puxou a Garota da Graxa para trás. — Ela trabalha aqui e foi ela quem trocou o pneu do Joe ontem, não foi?

— Você fez o quê? — Raquel olhou diretamente para mim e depois para a garota novamente.

— Raquel, vamos embora. — Puxei a minha namorada pelo braço e ela não resistiu.

— É, Raquel, vai embora. — Herrera fuzilou a minha mulher com os olhos, mas Raquel não fez nada. Apenas me obedeceu e depois entrou no carro.

— Miguel, isso vale pra você também — gritei para ele que ainda estava rindo da situação.

— Tchau, minha Gata das Trevas. Foi um prazer em conhecê-la. Um beijo! — Ele lançou o beijo imaginário no ar para Herrera, que retribuiu com uma piscadela rápida.

— Tchau, Playboy Número dois.  — Herrera respondeu e nos deu às costas.

— Ela te chamou do quê? — Raquel perguntou incrédula.

— Me chamou de amor, irmã.

— Essa garota é tão... — Raquel fez careta de nojo — estranha. — Completou.

— Pois fique sabendo, querida irmã, que essa “garota estranha” vai sair comigo amanhã.

— O quê? — dissemos juntos num uníssono, Raquel e eu.

— Vocês são engraçados!

Miguel colocou os óculos escuros e abriu a janela da parte traseira, se recostando no banco e digitando alguma coisa em seu iPhone.

A viagem de volta foi longa e completamente entediante.

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Kiane Berté 593n45

Kiane Berté tem 27 anos e trabalha como jornalista e fotógrafa. Nas horas vagas escreve suas histórias de romance curiosas e sonha junto delas com um mundo mais encantado e cheio de amor. Sonhadora, ela vê através das páginas de um bom livro a oportunidade de viajar para onde quiser sem sair do lugar


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