Capítulo 18 da série 'histórias que eu ouço na clínica'. 6o6t1e
ATENÇÃO: a história a seguir pode ter gatilhos.
A procura por ajuda psicológica não partiu necessariamente de Claudiane da Costa Silva (nome fictício), de 28 anos. Apesar de estar sofrendo muito com depressão, quem colocou na cabeça dela que deveria se tratar para melhorar a qualidade de vida, foi sua mãe.
A depressão foi um dos ícones que fizeram Claudiane estar internada no final deste ano, correndo o risco de não comemorar o Natal com a mãe, a filha pequena e a irmã caçula, de outro pai. Outro fator que contribuiu com tudo de ruim que ou nos últimos anos foi o uso excessivo de cocaína.
Claudiane teve seu primeiro contato com as drogas aos dez anos de idade. A jovem não chegou a conhecer o pai biológico, pois ele acabou falecendo um mês antes do nascimento dela. Por conta disso, o mais perto que ela tinha de um pai, era um tio materno.
Vizinha de Tiago da Silva (nome fictício), o tio que ela mais gostava e com quem era muito apegada, a menina descobriu todo o mundo do tráfico ao visita-lo em casa e apreciar o homem montando as buchas de cocaína para vender. Tiago era um traficante bastante renomado na cidade e ganhava muito dinheiro mexendo com coisa errada.
Nesse vai e vem até a casa do tio para vê-lo e também brincar com a prima pequena, Claudiane foi incentivada a se “infiltrar” no tráfico de uma forma “inocente”. Tiago também adorava a sobrinha e ou a ensinar tudo o que sabia sobre as drogas. O primeiro o foi apresentar a menina ao mundo do crime, dentro da própria casa e, depois, às drogas pesadas.
Claudiane ou a usar cocaína durante o trabalho de embalar as buchas para o tio, e acabou viciando naquilo que hoje lhe traz pesadelos e que luta para se livrar.
Bem antes de começar a usar drogas e descobrir o que elas poderiam fazer, Claudiane encontrou cigarros na casa do tio e ou a fumar como se não houvesse amanhã. Junto com a bebida alcoólica, o cigarro a acalmava, a fazia levar o pensamento para longe. Era uma maneira de espantar os pesadelos do ado que a assombravam. Isso porque, quando estava próximo de completar seis anos de idade, foi violentada pelo padrasto, dentro da própria casa.
“Eu fiquei com muita raiva, muito trauma por causa disso, porque a polícia nunca fez nada.”
O agressor vivia na casa de Claudiane, junto da mãe, desde quando ela era pequena. Antes, o homem nunca havia demonstrado ser uma pessoa ruim, mas quando foi pega desprevenida em casa, sozinha, enquanto a mãe trabalhava para sustentar a família, o padrasto se aproveitou da ocasião para estuprar a menina.
Na escola, ao perceber que ela estava sangrando, uma das professoras alertou Claudiane sobre comprar absorventes, já que estava “virando mocinha”. A criança, ao demonstrar inocência e completa desinformação sobre o assunto, chamou a atenção de outras educadoras, que chamaram a polícia e interrogaram a menina. Claudiane, então, ao ser questionada sobre possíveis abusos, acabou contando sobre os crimes que sofria, e uma viatura foi mandada para a casa dela.
Ao perceber a demora da enteada a voltar para casa, o abusador desconfiou que ela pudesse ter contado toda a verdade. Ele arrumou as malas e fugiu de carro sem dizer nada, retornando duas semanas depois, durante a noite, procurando pela mãe da menina para poder se explicar.
Ao saber sobre o estupro que a sobrinha havia sofrido, Tiago – que na época estava preso por tráfico de drogas – ameaçou de acabar com a vida do homem, assim que deixasse as celas da prisão. Com medo das consequências, o abusador fugiu para o Paraguai, sem dar mais notícias à família ou a quaisquer pessoas que pudessem abrir a boca e contar onde ele havia se escondido. Após dois anos vivendo fora do Brasil, a família dele recebeu a notícia de que havia sido assassinado por traficantes. Claudiane recorda que a mãe do padrasto recebeu fotos do filho esquartejado em uma vala. O motivo foi simples: havia se envolvido com a mulher de um dos traficantes do local.
Os anos se aram. Claudiane continuava na vida das drogas. O vício era tamanho, que até nas festas em que frequentava era comum ir ao banheiro e fazer uma “carreira” para matar a abstinência.
Quando completou 16 anos, a jovem já estava completamente envolvida com o tráfico. Por onde ia na companhia do tio, carregava consigo as buchas de cocaína, escondidas dentro das roupas íntimas, sem a menor preocupação.
Em uma noite qualquer, bebendo com Tiago e outros amigos no pátio de um posto de combustível, Claudiane aproveitou para “dar um raio” no banheiro com a droga que havia levado. Enquanto sugava para dentro do nariz a substancia branca e tóxica, ouviu tiros vindo do lado de fora. Na correria, percebeu que o tio havia sido baleado e o autor do crime era um funcionário dele e que fazia a entrega das drogas quando necessário.
Claudiane se recorda que o homem atirou contra Tiago porque havia cheirado toda a droga que lhe fora entregue. Para não ser cobrado por aquilo depois, resolveu matar o chefe e se livrar de um problema.
Tiago foi levado ao hospital em estado grave, com 12 perfurações de bala pelo corpo. Claudiane e a família de Tiago se deslocaram para o hospital em busca de notícias. Com policiais rodeando toda a unidade, a sobrinha de Tiago se sentia desprotegida, já que escondia com ela mais de R$ 2 mil em drogas.
O tio permaneceu no hospital por três dias, ficando intubado e reagindo no último momento, querendo falar com Claudiane e dizer as últimas palavras.
“Ele disse para mim terminar com o corre, sair dessa vida, e pagar um traficante que ele estava devendo.”
Um pastor foi chamado no hospital a pedido de Tiago, e ele morreu logo em seguida, deixando a sobrinha e a família completamente perdidas.
Claudiane usou uma das seis armas de fogo que o tio tinha, para poder pagar a dívida de drogas que Tiago havia pedido. O restante das drogas que ela carregava dentro das roupas, foi usado por ela para esquecer dos problemas da vida. Os mais de R$ 2 mil em cocaína foram usados em questão de horas, com Claudiane correndo risco de ter uma overdose.
O uso excessivo de drogas, cigarro e álcool acabou desencadeando depressão e uma doença chamada Borderline, que faz com que Claudiane perca a cabeça em alguns momentos e tente contra a própria vida. As marcas que ela carrega em seus braços, são a prova de que o fundo do poço havia chegado.
Os cortes profundos e rosados, que indicam terem sido feitos recentemente, só vão ser escondidos por roupas de manga comprida, já que as cicatrizes são inevitáveis. Todas as mutilações que Claudiane sofreu dela mesma, foram feitas com uma lâmina de gilete e alguns chegam a ter até oito centímetros de comprimento.
Em uma das agressões, a mais recente e que foi feita há duas semanas, fez com que a jovem perdesse os movimentos dos dedos por alguns dias. Aquelas são marcas de uma vida bastante sofrida, de uma vida com bastante violência, além de tudo, de dores internas que não se curam apenas com medicamentos.
Claudiane é mãe de Yasmin (nome fictício), de sete anos. A jovem conheceu o pai da menina aos 21 anos, mas ambos eram amigos antes de tudo. Claudiane percebia como Rudinei (nome fictício) tinha ciúmes dela, mas nunca pensou que aquilo pudesse virar uma paixão. Quando Rudinei decidiu se declarar e abrir o jogo com a amiga, ambos decidiram tentar.
Com uma casa alugada quase no centro da cidade, Claudiane pediu para que o novo namorado levasse os móveis e se juntasse a ela na nova vida que estava construindo. Foram oito meses de uma vida regada a drogas e álcool, onde ambos usavam e abusavam dos entorpecentes sem se preocupar com o amanhã.
Algum tempo depois, ao ar mal e ficar preocupada, a jovem descobriu que estava grávida de Rudinei. Quando contou ao namorado que estava esperando um filho, ele surtou, gritou e disse que jamais assumiria aquela criança. Claudiane, então, expulsou Rudinei de casa e voltou a morar com a mãe, criando a filha sozinha e sem depender do ex-companheiro para nada.
“Ele nunca pagou pensão e ele nunca conheceu a minha filha.”
Aquele foi um episódio muito dolorido para ela. Apaixonada por Rudinei, Claudiane procurou por ele depois que a filha veio ao mundo, mas não teve sucesso em fazer o ex mudar de ideia. Com o desprezo do amado, a jovem caiu nas drogas de uma forma mais pesada e, dali em diante, chegou a ser internada em clínicas por três vezes.
Nos últimos meses deste ano, Claudiane estava tranquila e “limpa”. Havia deixado de lado a droga e o cigarro, tentando buscar uma qualidade de vida melhor a pedido da mãe que estava bastante preocupada com a saúde da filha.
Por algum motivo que ela não soube explicar, acabou tendo uma recaída e foi nesse momento que saiu de casa para comprar drogas e tentou usar. A mãe, ao perceber as atitudes da filha, procurou por ela e a impediu de colocar as drogas para dentro do organismo. Mesmo assim, para evitar que Claudiane caísse no mundo das drogas novamente e se perdesse de vez, a mãe da jovem a orientou em procurar por ajuda, pela quarta vez.
Mesmo preocupada em não conseguir deixar a clínica de reabilitação antes do natal, Claudiane fez um esforço pela família e pela filha pequena, e aceitou se internar.
Agora, o que ela quer é poder ficar bem para ver a pequena Yasmin. Além disso, torce para conseguir ar o Natal em casa, ao lado das pessoas que mais gosta.
“Quero voltar a trabalhar, quero reconquistar o amor e carinho, e principalmente a confiança da minha mãe.”
>> A história que você acabou de ler faz parte de um projeto que venho desenvolvendo na Clínica de Reabilitação de Ponte Serrada e pertence a um dos pacientes da unidade.
Kiane Berté tem 27 anos e trabalha como jornalista e fotógrafa. Nas horas vagas escreve suas histórias de romance curiosas e sonha junto delas com um mundo mais encantado e cheio de amor. Sonhadora, ela vê através das páginas de um bom livro a oportunidade de viajar para onde quiser sem sair do lugar